Relatório da Polícia Federal relacionado ao inquérito da Operação Sermão aos Peixes, que investiga suposto desvio de dinheiro público federal da Saúde no Maranhão por meio de entes privados - Organização Social (OS) e Organização de Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) -, confirma que a PF tinha total conhecimento que o Instituto Cidadania e Natureza (ICN) e dois de seus donos, Péricles Silva Filho e Raimundo Sacramento Mendes, operavam desde maio de 2004 nos cofres da Secretaria de Estado da Saúde (SES), quando o Palácio dos Leões estava sob comando da ex-primeira dama Alexandra Tavares Trovão e do hoje deputado federal José Reinaldo Tavares (PSB), tanto em contratos milionários como até mesmo como funcionários da pasta, provavelmente até 2008, já no governo de Jackson Lago.
A revelação aponta para possível direcionamento da operação, já que segundo o delegados da PF Sandro Jansen e Alexandre Saraiva, e os representantes da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público Federal (MPF), o suposto esquema teria sido criado e comandado pelo ex-secretário de Saúde Ricardo Murad, cunhado da ex-governadora Roseana Sarney (PMDB), ambos adversários políticos do governador Flávio Dino (PCdoB), que tem o irmão Nicolao Dino como sub-procurador Geral da República.
Quase o dobro
De acordo com um dos trechos do documento obtido com exclusividade pelo Atual7, o Volume 01 do Inquérito Policial 0680/2012, datado de 30 de novembro daquele ano e assinado pelo delegado Leopoldo Soares Lacerda, a abertura das investigações se deu devido ao apontamento de movimentação financeira atípica do ICN, em 2010, capturada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf) e contida no Relatório de Inteligência Financeira (RIF) n.º 6675.
Chama a atenção o grave e inexplicável fato de que, embora informada pelo Banco Central do Brasil na Carta Circular n.º 2826 - II d que, apenas em 2004, pouco depois de sua criação, o ICN faturou o total de R$ 144.780.153,90 do governo Zé Reinaldo, e que, apenas em 2008, R$ 123.996.511,34 do governo Jackson Lago, e que todo este montante - quase o dobro do garfado entre 2011 e 2012 - teve como fonte o Governo do Maranhão, especificamente de dinheiro do Fundo Estadual de Saúde, a Polícia Federal decidiu não retroagir as investigações para 2004, mas concentrar-se somente a partir de 2010, quando os adversários de Dino é quem estavam no comando do Palácio dos Leões e da SES.
Propinoduto
A suspeita de possível direcionamento da Polícia Federal também é levantada com base em outro trecho do relatório, ainda no Volume 01, em que a própria PF confirma que "desde a década passada" o ICN já era denunciado por desvio de verba. Em dado momento, o instituto chega a ser classificado pelos federais como "propinoduto".
"Desde o início da década passada o ICN foi contratado pela Secretaria Estadual de Saúde para administrar algumas unidades hospitalares da rede pública estadual. Desde então até os dias atuais sérias denúncias de desvio de verba pública através da citada OSCIP são veiculadas na Internet, apontando o Instituto como um 'propinoduto' por onde escoaria a verba pública desviada", diz o trecho.
Ainda assim, curiosamente, apesar das denúncias colhidas durante a investigação que culminou na deflagração da Operação Sermão aos Peixes, todas contidas no relatório, confirmarem a atuação suspeita do ICN nos cofres da SES desde 2004, o delegado Alexandre Saraiva, Superintendente Regional da Polícia Federal no Maranhão, durante coletiva de imprensa, acabou se confundindo ou faltando com a verdade ao declarar que não há nada de estranho no fato das investigações terem se concentrados somente nas movimentações financeiras do instituto a partir de 2010.
Também presente da coletiva, o delegado da Polícia Federal Sandro Jansen, chefe da Unidade Especial de Repressão e Controle de Desvio de Verbas no Maranhão e responsável pela operação, também acabou se confundindo ou faltando com a verdade. Ao tentar salvar o colega, ele afirmou que não sabia se havia um algum levantamento do Coaf do período anterior ao de 2010.
A explicação para as declarações dos delegados da Polícia Federal, porém, pode ser mais simples do que a feição tranquila esboçada por ambos ao se confundirem ou faltarem com a verdade à imprensa: apesar de Ricardo Murad ter comandado a SES desde o ano anterior, os quatro primeiros meses de 2009, quando o ICN garfou R$ 113.690.369,57 do erário segundo o próprio relatório relacionado ao inquérito da Operação Sermão aos Peixes, era Jackson Lago, o maior adversário histórico dos Sarneys e de Murad, quem ainda estava no poder.
Outro fato curioso é quem quem comandava a SES durante o governo de Zé Reinaldo era a atual titular da mesma pasta na Prefeitura de São Luís, a vereador Helena Duailibe.
Outro lado
Procurada pelo Atual7, a Polícia Federal informou, em nota, que não se pronuncia sobre investigações em andamento - o que confirma, em tese, a entrada do governo Flávio Dino no olho do furação, numa nova fase da Operação Sermão aos Peixes - e que embora a Justiça tenha autorizado a quebra do sigilo do Inquérito Policial, com exceção das interceptações telefônicas, o mesmo inquérito é revestido de sigilo, e que as denúncias serão investigadas dentro de sua esfera de atribuição.
A PF disse ainda que só repassada informações à imprensa sobre operações em andamento somente quando estas são deflagradas, evitando, assim, possíveis prejuízos ao andamento do trabalho de investigação.